Espiritualidade e Sistema Financeiro

CHICO XAVIER RESPONDE A TRÊS DELICADAS PERGUNTAS DE UM ESTUDIOSO EM ASSUNTOS FINANCEIROS

PEDRO LEOPOLDO, 19 – (Especial para O GLOBO, por Clementino de Alencar) – Enquanto aguardamos a próxima sessão dos irmãos Xavier enviaremos uma ou duas das demonstrações mais notáveis, que nos vão chegando às mãos, da mediunidade de Chico Xavier.

Hoje, ocupar-nos-emos da seguinte: o Sr. Francisco Teixeira da Costa, gerente do Banco Agrícola em Sete Lagoas, visita, de quando em quando, em Pedro Leopoldo, parentes e amigos que aqui possui.

De uma dessas vezes, o Sr. Teixeira da Costa, através das palestras, teve a atenção chamada para o caso Chico Xavier.

Estudioso de assuntos econômicos e financeiros, aquele senhor, com a mesma intenção de teste que observamos em outros detalhes de nossa reportagem, mostrou o desejo de fazer ao jovem “médium” uma consulta relativa aos problemas que o preocupavam.

A ECONOMIA DIRIGIDA É UM ERRO?, ETC…

Posto em contato com Chico Xavier, o Sr. Teixeira da Costa, já à noite, deixou-lhe em mãos as três proposições seguintes:

“I – Dado o aumento da população mundial e a escassez do ouro necessário à circulação, a socialização do sistema monetário, tendo por base certa percentagem da exportação de cada país, conseguiria, pela emissão naquela base, regular o fenômeno da troca?

II – Atendendo-se a que, na vida econômica, interessando a produção a três classes – Estado, Capital e Trabalho – em favor destas pode ser regulada a circulação, emitindo-se certa percentagem na base do valor da produção exportável, emissão que será regulada pela estatística, a fim de aumentar ou diminuir automaticamente o regime da circulação, evitando-se inflação ou escassez de numerário?

III – A economia dirigida é um erro científico, que embaraça o progresso econômico dos povos?”

NÃO É APENAS O OURO A ALMA DA EMISSÃO

Chico Xavier acolheu as perguntas e prometeu que nessa mesma noite, recolhendo-se à casa, consultaria a respeito os seus amigos e protetores do Astral.

Dito e feito.

As respostas foram conseguidas nessa noite; e, na manhã seguinte senhor Teixeira da Costa as recebia, em Sete Lagoas, para onde se retira logo após haver entregue ao “médium” as suas indagações.

Conseguimos do aludido banqueiro a vista do original dessa comunicação para dela tirarmos uma cópia.

Eis as respostas dadas às proposições do Sr. Teixeira da Costa, acima citadas, pelo “médium” de Pedro Leopoldo, “doublé” do caixeirinho bisonho e simplório que, na sua atividade normal, não saberia certamente resolver os problemas da prosperidade nem da venda modesta de “seu” Felizardo.

Para a primeira proposição: “Dado o aumento da população mundial e a escassez de ouro, etc…”, a resposta foi esta:

– “A escassez do ouro necessário à circulação é manifesta em todos os mercados internacionais; porém, não apenas o ouro é a alma da emissão.

A produção de cada país equivale a esse ouro, produção que significa, em seus valores intrínsecos, o lastro regulador dos fenômenos da fazenda nacional e o qual circula nas veias do comércio como elemento responsável das expressões fiduciárias; e “a socialização do sistema monetário, tendo por base, a percentagem da exportação dos produtos de cada país, conseguirá, pela emissão nessa base, regular todos os fenômenos da troca”, desaparecendo integralmente o problema do aumento da população mundial, porquanto as condições climatológicas mantenedoras das condições de habitabilidade do planeta estão completamente alheias às cláusulas e cogitações dos economistas e sociólogos em geral.”

UMA QUESTÃO DE POLÍTICA ADMINISTRATIVA

A segunda proposição: “Atendendo-se a que, na vida econômica, interessando a produção a três classes – Estado, Capital e Trabalho – em favor destas pode ser regulada a circulação, etc…”, teve a seguinte resposta:

– “A circulação poderá ser perfeitamente regulada, emitindo-se certa percentagem na base do valor da produção exportável, “evitando-se inflação ou escassez de numerário”, em benefício das três classes, quando a socialização dos seus interesses for concentrada em uma só finalidade, que significa o seu bem-estar.

Essa questão, porém, está afeta à política administrativa, a qual, infelizmente, só agora se vem convencendo da necessidade do espírito de cooperação, desviando-se das criações endógenas e da pseudo-onisciência legislativa dos parlamentares.

Quando a mentalidade geral amadurecer para a compreensão dos fenômenos econômicos, a emissão será regulada de maneira a se aumentar ou diminuir automaticamente o regime da circulação, porque o Capital deixará de ser a caixa-forte de emolumentos que tem representando; o Trabalho desenvolverá a sua atividade produtora sob a esclarecida influência da técnica profissional, que operará a especificação dos valores individuais, e o Estado se experimentará fortalecido com uma nova ética política, a qual, com o espírito de colaboração, solucionará satisfatória e devidamente todas as questões de ordem administrativa.”

A ECONOMIA DIRIGIDA NÃO É UM ERRO

Por fim, a terceira indagação: “A economia dirigida é um erro científico que embaraça o progresso econômico dos povos?”

A resposta veio assim:

– “A economia dirigida não é um erro. Todos os obstáculos à normalidade da vida econômica dos povos são oriundos da ausência de senso administrativo dos governos, que enveredam pelo terreno da política facciosa, prevalecendo as diretrizes pessoais de personalidades ou grupos em evidência. Frequentemente, a economia está confiada a mentalidades que não especializam os seus conhecimentos a seu respeito e cujos programas de ação constituem singularíssimos fenômenos teratológicos no campo da fazenda pública, os quais medram entre as coletividades ao bafejo de inqualificáveis protecionismos.

É tempo da competência administrativa recrutar entre os abalizados técnicos do assunto os conselhos da economia nacional que funcionarão como forças reguladoras dos seus fenômenos, solucionando todos os problemas financeiros relativos à produção, repartição e consumo. Esses conselhos, que devem ser constituídos por técnicos especializados na economia política, não desprezando os benefícios que promanam do espírito cooperativista, ouvirão a voz das classes trabalhadoras e produtoras e geral, sondarão as necessidades de cada uma, veiculando as suas proposições e defendendo os seus interesses nos parlamentos legislativos, investindo a política na posse da emetropia administrativa que frequentemente lhe falta.

Faz-se mister que as classes se organizem, representando-se perante as administrações por intermédio dos seus expoentes mais dignos, porque governo nunca confabulou com os indivíduos e sim com as classes, as quais devem sobrepor às arbitrariedades das facções a opinião dos interesses gerais generalizando-se assim o regime da consulta e do inquérito.

Quando a economia for dirigida por esse corpo de mentalidades proficientes e conscienciosas, que deverão permanecer alheias aos conciliábulos de individualidades que transformam às vezes os recintos parlamentares em verdadeiros palcos de teatro jurídico onde se exibem os profissionais da palavra, constatar-se-á que a economia deve ser dirigida com superioridade, equivalendo essa direção, que já se encontra rudimentarmente em atividade na Europa moderna, por um índice de novo ciclo de educação política, o qual traz em si a mais profunda significação histórica.”

Oliveira Martins

Todas as respostas foram assinadas por “Joaquim Pedro d’Oliveira Martins”, um nome que ficou na história da cultura portuguesa.(*)

(*) Escritor, historiador e político português, nascido e desencarnado em Lisboa (1845-1894). As suas principais obras versam sobre Ciências Sociais. Seu trabalho ‘Circulação Fiduciária’ foi premiado pela Academia de Ciências de Lisboa. Ele defendia a evolução natural da sociedade em direção ao socialismo. Foi deputado e ministro da Fazenda. (Nota do Org.)

“A SÍNTESE É A ALMA DA VERDADE”

Ao pé das respostas acima o “médium” grafou esta nota:

“Perguntei ao espírito se não desejava escrever mais com respeito ao assunto, respondendo-me o seguinte:

– “A síntese é alma da verdade. Prolixidade não significa lógica.

Em buscando replicar as questões formuladas, o nosso objeto é apenas integrar o homem no conhecimento das suas possibilidades próprias, porquanto a chave da solução de todos os problemas que interessam ao progresso humano, o “quid” da realização dos seus superiores idealismos, reside nas mãos da humanidade mesma.

Oferecermo-la daqui seria derrogarmos o valor da iniciativa pessoal e nem isso poderíamos realizar porque também estamos a caminho da verdade infinita, na estrada ascensional da evolução, interessando-nos outrossim problemas que condizem com a nossa existência espiritual. Sugerimos apenas em razão das nossas experiências passadas.

O homem não aguarde, porém, dos elementos estranhos ao seu meio-ambiente a decifração das suas questões, devendo apenas buscar fora do seu meio a força impulsiva dos ideais realizadores.

A lei suprema que abrange a universalidade dos seres é a do arbítrio independente. Obrigar individualidades e organizações a determinadas normas de conduta seria a escravização injustificável e podeis observar, mesmo em vosso mundo, como a liberdade caminha dia a dia para concepções mais avançadas.

Para a Causa geradora da vida não existe força compulsória; há ordem. Não há confusão de autoridade ou poder; existe sinarquia.

Todos os fenômenos, em geral, são dirigidos por atividade mística, inacessível aos vossos juízos transitórios.

Fugindo dos temas temporários da política, o homem necessita convencer-se de que a única coisa real da vida é a sua alma. Tudo o mais que o rodeia reveste-se de caráter de transitoriedade.

O espírito encarnado atualmente é um estudante longe dos seus penates.

Todavia, a escola evoluirá com ele, transformando-se no decorrer dos tempos em berço de mestres ilustres aptos a lecionar nos educandários do porvir.

O homem conhecerá Deus, conhecendo-se, porquanto pode assimilar e adaptar a vida, mas não pode criá-la; pode, cientificamente, alcançar ápices inimagináveis; porém, somente no papel de examinador de tudo quanto está criado, sondando efeitos e descobrindo leis que se conservavam desconhecidas.

A causa dessas leis produtoras de variados fenômenos para ele se encontra sempre obscura e alheia aos seus métodos objetivos de investigação.

Até hoje, somente a fé, baseada na razão, tem podido, na sua extraordinária capacidade de ressonância, corresponder-se com os planos espirituais, através da sintonia de vibrações psíquicas; porém, pouco a pouco, a ciência humana coroará a sua obra com o conhecimento dessa Causa – que é Deus.

Joaquim Pedro d’Oliveira Martins”

(O Globo, 25/5/1935.)

Do livro “Notáveis Reportagens com Chico Xavier” – Capítulo 22